Recentemente, a 21ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob relatoria do desembargador Alexandre Victor de Carvalho, julgou parcialmente procedente a apelação cível nº 1.0000.24.528205-8/001. O caso girava em torno da revisão de cláusulas contratuais relacionadas a juros, seguro e assistência 24 horas relativas à venda casada. A decisão é um exemplo claro de como o Judiciário mineiro tem aplicado, de forma criteriosa, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil na análise de contratos.
Neste artigo, analisaremos os principais pontos da decisão do desembargador, destacando os fundamentos utilizados para reconhecer a prática de venda casada, indeferir o pedido de restituição em dobro e manter os juros contratados.
Juros remuneratórios em venda casada: ausência de prova impede reconhecimento de abusividade
No que tange aos juros remuneratórios, a apelação alegava que houve cobrança superior à taxa estipulada no contrato — firmada em 2,90% ao mês — indicando que a instituição financeira teria aplicado 3,32% mensais. Contudo, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho foi enfático ao considerar que o apelante não juntou qualquer documento ou laudo técnico capaz de comprovar a prática abusiva. A ausência de provas concretas inviabilizou o reconhecimento de qualquer ilegalidade.

De acordo com a fundamentação do relator, apenas a alegação genérica não é suficiente para desconstituir a cláusula contratual previamente acordada. Assim, o desembargador reafirmou a necessidade de demonstração efetiva da cobrança indevida para que se possa afastar os juros estipulados. A decisão reforça a jurisprudência dominante no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e segue os precedentes do STJ, exigindo provas robustas para o reconhecimento de abusividade em contratos bancários.
Venda casada: contratação de seguro sem liberdade de escolha
O ponto central da reforma da sentença foi o reconhecimento da prática de venda casada na contratação do seguro. Segundo o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o contrato previa a cobrança de R$ 729,30 a título de seguro, mas não ficou demonstrado que o consumidor teve a liberdade de escolher a seguradora. Embora o contrato afirmasse que a contratação era facultativa, a instituição financeira indicou previamente a seguradora, o que caracteriza conduta abusiva.
A decisão do desembargador se apoia no julgamento do Recurso Especial nº 1.639.320/SP, julgado sob o rito dos repetitivos pelo STJ (Tema 927), que consolidou o entendimento de que é vedado compelir o consumidor a contratar seguro com empresa indicada pelo banco. A venda casada, prática proibida pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, foi claramente configurada, justificando a declaração de ilegalidade da cláusula e a restituição dos valores pagos, ainda que de forma simples.
Restituição simples e sucumbência recíproca: critérios objetivos e boa-fé contratual
Ao analisar o pedido de restituição em dobro dos valores pagos indevidamente, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho concluiu que não havia má-fé por parte da instituição financeira. Como os valores cobrados estavam previstos expressamente no contrato, não se pode falar em violação da boa-fé objetiva. Por isso, a devolução deve ocorrer de forma simples, conforme os parâmetros do artigo 42, parágrafo único, do CDC, interpretado à luz da jurisprudência atual.
Adicionalmente, a decisão tratou da questão da sucumbência recíproca. Como parte dos pedidos foi acolhida e parte rejeitada, o desembargador determinou que os ônus sucumbenciais fossem repartidos: 70% atribuídos ao autor e 30% à ré, observando-se a gratuidade de justiça. Esse equilíbrio na divisão dos custos do processo reflete a prudência do magistrado na avaliação dos elementos constantes nos autos, reconhecendo o direito do consumidor sem desconsiderar as limitações da prova apresentada.
Em resumo, a decisão proferida pelo desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo de apelação cível nº 1.0000.24.528205-8/001 é um marco importante na defesa dos direitos do consumidor, especialmente no combate à prática de venda casada. Ao reconhecer a ilegalidade da contratação compulsória de seguro, o magistrado reafirma o papel do Judiciário como garantidor do equilíbrio nas relações contratuais, exigindo que instituições financeiras respeitem a liberdade de escolha dos consumidores.
Autor: Binal Showts